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terça-feira, 31 de março de 2009

Ainda existe seleção brasileira?

Às vésperas de mais um importante jogo da seleção brasileira pelas Eliminatórias do mundial da África do Sul em 2010, o interesse do torcedor pelo escrete canarinho tem se mantido próximo do zero. Os cronistas esportivos se contorcem em debates intermináveis procurando por uma explicação dos motivos de tamanho desdém, como se a resposta para tanto fosse um mistério digno de ouriçar até mesmo aqueles que nunca gostaram de futebol. Evidentemente, as razões do desencantamento com a seleção são de simples diagnóstico e, como sempre, a mídia esportiva apenas põe lenha na fogueira quando não tem muito com o que atrair o telespectador.
A própria imprensa esportiva foi, ao longo do tempo, transformando a seleção brasileira em algo mais do que ela é, ou seja, o ufanismo exagerado de muitos jornalistas, jogou sobre o perfil de um time de futebol, que encantou muitas vezes no passado, - até porque os tempos eram outros - a carga insuportável de heroísmo sentimental. Paradoxalmente, os jogadores que compõem a seleção foram, gradativamente, devido também a todas as mudanças pelas quais o futebol passou nos últimos 25 anos, assumindo-se como celebridades sem as quais um país não pode viver, passaram a atribuir a si mesmos uma importância que jamais terão, mascararam, como se diz no jargão futebolístico. Até mesmo sem querer, tornaram-se antipáticos e distantes (a maioria atua fora do Brasil e alguns deles sequer chegaram a obter destaque atuando no próprio país). Não existe nenhum herói verdadeiro que não tenha a marca do sacrifício estampada no rosto, quanto mais heróis que não possuem um rosto. Toda celebridade é fabricada e anódina, sendo assim, o que se observa com a seleção, já era de se prever há tempos.
Um outro fator, que somado ao anterior completa o quadro de desencanto, diz respeito ao fato de que a seleção virou muito mais um quintal de interesses de empresários e patrocinadores do que propriamente um time de futebol capaz de desanuviar a mente do torcedor. Excesso de jogos inúteis, desmandos de cartolas e patrocinadores interessados em convocações são reflexos desse tipo de profissionalização desregrada.
A seleção brasileira continuou existindo desvinculada de seu propósito, que sempre deveria ter sido simplesmente jogar futebol de modo honesto e esforço para encantar através da arte proporcionada pelo próprio futebol. Alguns dos selecionáveis, muitas vezes chegaram a recusar convocações, provando que até eles próprios se desenraizaram em relação ao já datado clichê que afirma que o sonho de qualquer jogador é servir à seleção do seu país.
Não dá para querer ser herói, quando na verdade se deveria ser artista. Heróis só se tornam tais, depois que tombam em batalha, como continuam ensinado as epopéias gregas. Jogador de futebol servindo a seleção só deveria buscar exercer a arte do esporte (atuando em clube o papo é outro), do contrário, vira celebridade efêmera. Caso ainda se busque uma pitada de heroísmo épico no futebol, que mirem os brasileiros no exemplo dado pelos hermanos, pois eles sim, vestem o azul claro e o branco como se estivessem envergando a armadura de um hoplita pronto para o embate. É que a cultura da terra do tango é diferente do performismo carnavalesco tupiniquim. Os argentinos têm uma sobriedade resignada, mas ao mesmo tempo, um sofrimento latente e arrebatador que explode em fúria e vontade de vitória quando Messi e companhia entram em campo. Aqui no Brasil não se tem essa cultura, nossa história não é a mesma que a deles.
A propósito, respondendo a pergunta do título: não existe mais seleção brasileira.

terça-feira, 24 de março de 2009

A boa audição musical em risco


Uma cena frequentemente observada em nosso tempo diz respeito a pessoas das mais diversas idades, na rua e em outros locais com grande volume de circulação, portando aparelhos que reproduzem MP3 e conectadas aos fones de ouvido. Sempre me pergunto se em tais situações é possível realmente ouvir música. A resposta é não, caso se aprecie música, todavia, o objetivo de quem está quase que permanentemente buscando escapar da realidade, é outro.
Bertrand Russell afirmou certa vez que os homens incapazes de suportar o tédio comporiam uma geração de homens menores. Estava coberto de razão o grande filósofo britânico, basta atentar para o mundo em que estamos vivendo, no qual uma boa parcela da população tem imensa dificuldade de aturar a rotina, não sabendo convertê-la em um caminho de reflexão e contemplação.
Não escrevo hoje a fim de discutir filosofia, mas sim música. Como se não fosse suficiente a banal e óbvia constatação de que um sujeito em uma rua movimentada, com todos os ruídos que um local do tipo comporta, não está ouvindo música, mas apenas uma massa sonora amorfa, desagradável e prejudicial ao físico e ao espírito, a qualidade do MP3, ainda por cima, é péssima. Sim, eu possuo músicas em formato MP3, não nego que essa tecnologia é uma mão na roda e nos permite acesso a um leque de músicas que dificilmente teríamos se tivéssemos que comprar todas elas. Por outro lado, seria acrítico deixar de pensar que o MP3 "matou" a música, de certa forma pois, além da mencionada falta de qualidade, os aparelhos que reproduzem o formato se prestam à audição em ambientes inadequados, os artistas deixaram de faturar com venda de álbuns (o grande prejudicado não são as gravadoras, como muitos pensam), tornando os shows caríssimos e perdeu-se por completo o conceito de álbum. Eu não me prendo 100% ao MP3, o que seria contribuir com um crime contra a arte musical.
O MP3 é um formato de áudio ultracompactado, o que lhe faz mutilar as altas e baixas frequências do som, retirando toda a espacialidade acústica das músicas. O MP3 não é muito mais do que um radinho de pilha, com aquele som chapado e unidirecional; até melhora um pouco quando reproduzido em CD player, mas nada que se compare ao próprio CD ou ao inigualável e soberbo vinil. Inclusive, devo dizer que fico com uma pena tremenda daqueles que jamais ouviram um disco de vinil, e são muitos hoje em dia!
Há mais de negativo no MP3: o cidadão faz um mix de músicas, o que é até interessante vez ou outra, mas no mais das vezes, mal sabe o que está ouvindo e perde o interesse em dissecar um álbum em sua sequência e sonoridade específicas.
No que se refere à arte ilustrativa da capa de um álbum, obviamente o MP3 não permite tal apreciação. O CD, com sua caixinha pequena, já tinha ferido gravemente esse quesito, o MP3 deu o tiro de misericórdia. Quem gosta de Rock, sobretudo de Heavy Metal, tem na observação da capa dos álbuns, um complemento à audição musical. Qual fã de Iron Maiden jamais ficou procurando detalhes na capa do Somewhere In Time (foto acima), enquanto ouvia o disco? É extremamente lúdico. Pobre escutador de MP3!
Diante de tudo isso, nem cabe comentar o ritual que envolve a compra de um disco. Quem frequentou a Galeria do Rock nos áureos tempos, sabe perfeitamente disso. Hoje o local está mais para um salão de desfiles emoteen, cujo público acéfalo vai para compor visual e adquirir roupitchas ridículas, não para consumir boa música, pois eles se bastam com o MP3.
Sinal dos tempos...

terça-feira, 17 de março de 2009

Sobre o egoísmo e o individualismo

Poucas coisas são tão comuns hoje em dia, quanto presenciar um pseudointelectual marxista e esquerdopata afirmar do alto de sua peculiar arrogância, que o individualismo é o mal dos novos tempos. Do mesmo jeito, mas adepto de ideologia diversa, o direitista radical, leitor de Ayn Rand, cego em relação à cultura atual, vê no egoísmo um bálsamo. Confusão das mais grosseiras, uma vez que esse tipo de juízo é incapaz de diferenciar dois conceitos tão radicalmente opostos, tais quais o egoísmo, esse sim moléstia grave no mundo de hoje, e o individualismo. É o império do senso comum e da ignorância.
O egoísmo, ao contrário do que pensam os defensores da teoria da Tábula Rasa, arautos da ideia de que o ser humano é bom por natureza, não admitem que esse sentimento é instintivo e que sem um mínimo dele, é bem provável que o Homo sapiens não tivesse evoluído. Os adeptos do bom selvagem não leram Hobbes. Marx leu, mas parece não ter aprendido nada.
O problema do egoísmo é o fato de que ele ultrapassa as raias do absurdo nas atuais sociedades de massa, alcançando status patológico. Muitas pessoas hoje em dia acreditam, sem muitos rodeios, e até de modo um pouco inconsciente, que tudo no universo existe e opera em função delas próprias. O egoísta enxerga as coisas como se estivesse enclausurado entre as paredes de um estreitíssimo corredor, é auto-centrado, nada existe para ele além de seus desejos vis e paixões mesquinhas.
Assim sendo, é absolutamente falso creditar a um egoísta a valorização da liberdade, pois ele atua, em verdade, no reino ameaçador da anarquia, onde predomina a lei do mais forte. Se ele não mede nem avalia seus desejos, sendo capaz de tudo a fim de se sentir satisfeito (satisfação paliativa, prazer, não felicidade), frequentemente acaba passando por cima dos direitos alheios, jamais atenta para seus deveres. O egoísta nunca percebe que a liberdade é o mais difícil dos exercícios, devendo invariavelmente ser acompanhada do senso de responsabilidade. Buda, Confúcio e Aristóteles, desde eras remotas, e autores modernos como Irving Babbitt, mencionaram o elemento centrípeto da liberdade, um freio aos impulsos destrutivos, próprios do egoísmo exacerbado. Hoje em dia, Nietzsche e os pós-modernos são as leituras da moda, homens cujo pensamento é sem dúvida mais atraente, pois atiram a responsabilidade para o alto. O mundo vai muito bem, obrigado...
No espectro contrário do egoísmo, está o individualismo, que nada tem de instintivo. Ecos dele são notados na Antiguidade, não só no Ocidente, mas também na obra dos pensadores orientais citados acima, no final da Idade Média, na literatura de Dante, e na filosofia do século XVIII, no Iluminismo de Condorcet, de Montesquieu e de Voltaire.
O individualismo é uma atitude político-filosófica, consiste na crença de que o indivíduo, como a menor e mais frágil esfera de poder, é livre para escolher, desde que aja dentro da lei e de que não ponha em risco a integridade física e moral de outrem. O indivíduo é dotado do arbítrio de escolher sua própria religião, seus hábitos e costumes, suas convicções políticas, tem direito de expressar seu pensamento e de seguir o rumo que considerar melhor para si próprio. Nenhum padrão cultural é mais importante que a liberdade individual e não é pelo fato de uma cultura existir, que ela deve ser imposta ao indivíduo.
Além desse horizonte político-filosófico, caro ao individualismo e inexistente no egoísmo, há outra importante diferença entre os dois conceitos, a saber, que o individualista, ciente de seus direitos, jamais se esquece de que também tem deveres. O individualista não pratica libertinagem, já que nunca perde de vista que, como defensor de seu direito de escolha com base nas leis da sociedade, sabe que os outros também têm direitos que não podem ser tolhidos. A velha e manjada máxima "a minha liberdade acaba onde começa a do outro", explica essa ideia de modo simples e inequívoco. Graças a tal consenso, presente na cultura política das democracias modernas já consolidadas, é possível a vida em sociedade.
Por fim, cabe salientar que o egoísta, a despeito de crer que é o centro do mundo, quase nunca objetiva preservar suas particularidades, mas ao contrário, nas sociedades de massa, tem a nefasta necessidade de se sentir partícipe desse mundo performático criado por ele e sua tribo. Assim, ele se despoja de sua liberdade no sentido espiritual, político e filosófico, algo que não sabe nem ao menos o que significa, e se encerra nas limitações ultrajantes da lógica de rebanho, estratégia que lhe possibilita estar no palco dos acontecimentos, apto a galgar suas vontades. É o perverso paradoxo do egoísmo das multidões, que tolhe o pensamento livre e o senso crítico, pilares da liberdade individualista. O individualista busca sempre estar afastado desse entusiasmo rasteiro, desse turbilhão de paixões emburrecedoras, a ele, bastam o exercício filosófico e a atuação política.
Agora já está na hora de dar uma lida em Voltaire...

segunda-feira, 9 de março de 2009

Imprensa esportiva no Brasil: parcial, sensacionalista e prostituta!

Antes de mais nada, como palmeirense absolutamente convicto da riquíssima história do alviverde, cujas glórias e passagens genuinamente épicas, poucos clubes possuem (fatos como esse, não se discutem), escrevo o que segue, não para denegrir a imagem do rival do extremo leste da cidade, mas sim para discutir, como o título informa, a mídia esportiva no Brasil.
No último domingo (08/03), após mais um confronto entre o Palmeiras e seu adversário alvinegro, confronto inclusive em que, é bom que se diga, o clube palestrino leva vantagem, somando 119 vitórias, contra 112 derrotas, a imprensa esportiva, uma vez mais, despejou no lar dos telespectadores toda a sua incompetência, despreparo, parcialidade e sensacionalismo. Tal qual uma prostituta em fim de carreira, ávida por dinheiro, a mídia esportiva do país busca apenas IBOPE, pouco importando a qualidade e a isenção. É sabido de todos que mais da metade dos jornalistas da área são alvinegros, mas daí mandarem a imparcialidade às favas por conta disso, é se esquecer de um quesito básico da profissão, a ética. Talvez isso aconteça porque muitos dos "chicos lang" do jornalismo esportivo, nem jornalistas sequer o são. Lamentável o fato de que quem não é profissional, ocupe o lugar de quem o é! Isto é Brasil...
Terminada a partida, EMPATADA em 1x1, a cobertura de toda a imprensa esportiva babou ovo à exaustão para Ronaldo. Sem um pingo de vergonha na cara, sem um mínimo de imparcialidade! Era como se o time de Itaquera houvesse vencido a partida (imagine se, por um milagre que acontece muito de vez em quando, isso tivesse ocorrido!). Replays do gol achado feito pelo jogador, um atrás do outro, narradores praticamente aos prantos, exultando suas supostas glórias, declamando a "volta por cima", entrevista no campo, mais replays, mais comentários ridiculamente elogiosos. As manchetes dos sites e dos jornais do dia seguinte, todas elas paparicando Ronaldo. Que ladainha nojenta! O resultado manteve um tabu de 2 anos e meio sem vitória do time mosqueteiro em cima do Palmeiras. O goleiro alvinegro cometeu uma falha grotesca, um pênalti claro de Fabinho em Diego Souza não foi marcado, o zagueiro Chicão acotovelou violentamente o palmeirense Sandro Silva, ato que seria merecedor de expulsão, o Palmeiras fez um segundo tempo bem melhor que o adversário. Nada disso foi comentado, o Palmeiras tem cerca de 12 milhões de torcedores, mas para a imprensa, não tem nenhum. Vergonha!
A hipocrisia sempre foi um dos males do brasileiro, e quando ela se relaciona com as massas desprovidas de senso crítico, eleva-se à enésima potência! Trocando em miúdos, esse tal de Ronaldo é um péssimo profissional! Nada mais pode se afirmar sobre um ex-jogador que chega para a disputa de uma Copa do Mundo, sonho de todo atleta de futebol, 13 quilos acima do peso, que vive na night e chega atrasado em treino, que vira e mexe tem atitudes que em nada combinam com alguém que é figura pública (certos jogadores de futebol não são pessoas comuns, não ganham salários comuns, não são tratados como pessoas comuns pela própria mídia, portanto, o que fazem fora de campo, interessa sim!) e que deveria servir de exemplo. Para a mídia parcial, um cidadão desses é exemplo. Fazem da tentativa de Ronaldo de voltar ao futebol, uma epopéia melodramática, como se ele fosse um coitadinho, esforçado e virtuoso. Ora essa, um baladeiro nadando em grana! E desde quando um gol que foi 90% demérito do Palmeiras, significa uma volta por cima consumada?! Menos, menos, senhores "entendedores" do riscado, devagar, já os vi cair do cavalo várias e várias vezes, 1974, 1993, 1994, 1999, 2000...
O discurso politicamente correto da imprensa, dia sim, dia não, fala em moralização do futebol, mas os arautos dessa midiazinha fazem vistas grossas ao fato de que tal moralização deve haver também dentro dos gramados, passando pelos jogadores, agentes do espetáculo. Ronaldo é um péssimo profissional! É patética a necessidade que a mídia esportiva tem de levantar um sujeito que está no bico do corvo. Marketing fajuto, feito para gente que gosta de (pseudo) celebridades. Ronaldo já era, suas atitudes comprovam, não passa de um moleque de trinta e poucos, alguém que não cresceu, como muitos de sua laia.
No Arena Sportv desta segunda (09/03), Cléber Machado, que narra bem, mas que como comentarista cai
nos cantos de sereia, veio com uma pérola: "até os torcedores dos times rivais torcem por Ronaldo". Piada, me poupe sr. Cléber! Se Ronaldo se quebrar de novo, vou dar muita risada, estou preocupado com os cientistas desse país, heróis silenciosos de uma sociedade pútrida que não lhes lega o merecido valor, estou me importando com o trabalhador que sai de casa antes do raiar do sol, pega três conduções, aguenta chefe estúpido e ganha salário de fome, não com alguém que por todas as besteiras que fez e continua fazendo, não dá valor ao dom que recebeu e que ainda assim enche o bolso de dinheiro! Até o ex-estrategista Luxemburgo, que já foi o melhor, mas que hoje está mais para um arremedo de técnico, chegou ao absurdo de afirmar que Ronaldo ainda pode voltar à seleção e disputar o Mundial de 2010! Incompreensível essa ideia! Só pelo que fez em 2006 (ou pelo que deixou de fazer), um jogador como Ronaldo jamais deveria vestir novamente a camisa da seleção, fora isso, há vários novos valores que merecem chance e que podem preencher muito melhor do que ele a vaga de centroavante. Seria um desplante se ele fosse convocado!
Tudo bem, sem ilusões, a imprensinha esportiva no Brasil está longe de deixar sua prostituição de lado, afinal, na era das massas, o que importa é vender e dane-se a qualidade do produto. Apesar disso, eu não compro o que ela vende, eu não! E eu sou livre para protestar, sou mesmo! Imprensa esportiva no Brasil, um lixo total (salvo algumas exceções, como a ESPN, e olhe lá!). Caso você concorde, mande também uma banana para essa mídia esportiva. A minha, eu acabo de mandar!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Pequena homenagem ao bálsamo do clima frio em dias de calor absurdo e insano


O calor do clima pode ser tão excessivo que o corpo perde todo o vigor. A prostração alcança, dessa maneira, até mesmo o espírito: nenhuma curiosidade ou nobreza de propósito, nenhum sentimento generoso. Todas as inclinações se tornam passivas, e a preguiça se confunde com a felicidade. - Montesquieu (1748)

A excelência das criaturas pensantes, sua rapidez de apreensão, a clareza e a vivacidade dos seus conceitos, os quais chegam a elas pelas impressões do mundo externo, a capacidade de combinar esses conceitos e, em suma, toda a extensão de sua perfeição tornam-se mais altas e mais completas na proporção direta da distância do seu lugar de moradia até o Sol. - Kant (1755)

Outro visitante [Thomas Ewbank], de meados do século passado [XIX], manifesta profundas dúvidas sobre a possibilidade de se implantarem algum dia, no Brasil, formas mais rigoristas de culto. Conta-se que os próprios protestantes logo degeneram aqui, exclama. E acrescenta: "É que o clima não favorece a severidade das seitas nórdicas. O austero metodismo ou o puritanismo jamais florescerão nos trópicos". - Sérgio Buarque de Holanda (1936)

quarta-feira, 4 de março de 2009

Lei do mínimo esforço


Aqueles que trabalham na atividade docente, sabem bem que nos dias de hoje essa tarefa é das mais complicadas. Isso ocorre devido à patologia típica da nova era, nada mais nada menos do que o narcisismo pós moderno, frequente sobretudo na faixa etária que se situa entre os 11 e 18 anos. Nem todos os jovens dessa idade sofrem da moléstia, mas a maioria, infelizmente. A lei do mínimo esforço impera e, qualquer esforço por parte de quem educa, parece soçobrar nas tormentas, rumo ao naufrágio inevitável.
Atualmente, tudo vem fácil e vai embora mais fácil ainda, quase tudo é descartável e possui pouca importância. A qualidade não é prezada, o que vale é volume, quantidade. Valores não se estabelecem, pois não há tempo para isso. Não à toa, vive-se um período de absoluta carência de verdadeiros ídolos. Produtos de qualquer tipo, não só materiais, mas também mentais (concentração e reflexão são processos mentais associados a fastio e chatice - não se concede o delay que a curiosidade, mãe do saber e da ciência, requer), necessitam ser consumidos rapidamente, o que torna nosso tempo junkie não apenas na alimentação, mas em praticamente todos os aspectos. Tudo que é massificado e descartável, é também efêmero e incapaz de gerar algum desdobramento positivo.
O processo de ensino/aprendizagem exige, como tudo que gera bons frutos na vida, boa dose de rigor, de entrega, de abdicação, de disposição, de esforço, como já mencionado. Ora, mas para que o jovem irá empreender tão árdua travessia, se aquilo que ele preza não requer mais do que um clique no botão do mouse ou uma zapeada no controle remoto? Se esforçar para que, se aquilo que é bom na aparência (só na aparência) nada exige?! Que fique claro: como liberal e progressista, sou altamente favorável à tecnologia, mas como frisou um cientista cujo nome me foge à memória, poucos são os jovens que realmente se interessam por tecnologia, que tudo tem a ver com pesquisa e ciência; no fundo, boa parte deles apenas faz (mau) uso da tecnologia, muitas vezes das tecnologias mais inúteis e mais desnecessárias, aquelas destinadas ao consumo de massas.
O imediatismo, sintoma característico do narcisismo, escurece a mente quanto aos benefícios do esforço presente, que traz ganhos materiais e espirituais no futuro. Os pedagogos desconstrucionistas da nova era, que jamais pisaram numa sala de aula, são os defensores das colours class, das dinâmicas alternativas, do cirquinho na escola, tudo para que o processo educacional se torne mais prazeroso. Tudo balela, tudo lixo da pior espécie, tudo cretinice! Sofre-se da ridícula e nefasta ideia de que tudo na vida deve ser agradável, perdendo-se até mesmo a verdadeira especificidade do prazer. As gerações que frequentaram o Ensino Básico até meados dos anos 90, poucas vezes eram ensinadas sem ser no estilo mais tradicional, poucas vezes saíam da sala de aula, justamente por isso, valorizavam verdadeiramente as ocasiões em que isso ocorria. Hoje em dia, se o aluno é levado para fazer uma trilha nas montanhas, ele não repara na vegetação, no clima, no relevo, nos animais, nem ao menos ele aproveita o frescor de um local afastado da cidade, ele reclama do cansaço e do fato de ter sujado seu tênis, isso sim! Ele quer a lei do mínimo esforço!
As pessoas que foram educadas tradicionalmente sabem menos? Nunca, claro que não, muito pelo contrário! Foram ensinadas que um pouquinho de sofrimento e dedicação só fazem bem, aprenderam a dar valor às coisas, a querer conquistar aquilo que é bom, aprenderam que uma dificuldade que se interpõe no caminho, é um convite à superação, logo, a vitória obtida é mais saborosa e mais digna. Enquanto isso, ouço aluno alegando que não levou o livro para a aula porque faria peso em excesso na mochila. É o fim...
O que a educação lamentavelmente não tem logrado sucesso, a vida ensinará, mais cedo ou mais tarde, e de um modo muito mais doloroso e sem direito aos benefícios futuros legados pelo esforço do presente. É extremamente triste constatar que num país miserável como o Brasil, muitos jovens desdenhem a educação (o pior é que não se trata de culpa deles apenas, se fosse, seria mais fácil resolver - até nosso ilustríssimo presidente dá de ombros em relação ao valor do conhecimento...).
Esse país tem uma grande tendência a continuar sendo cada vez mais desigual, isso porque os poucos que querem ir atrás do conhecimento, fatalmente se tornarão uma elite de sábios e até mesmo irão embora do Brasil em busca de paragens onde o saber tenha seu devido valor - é a chamada fuga de cérebros, fenômeno já corrente há muito. Continuará predominando o analfabetismo ético e político e a carência científica, males que só a educação remedia.
Se aproxima cada vez mais o momento em que deixarei de lado a docência no Brasil, me dedicando à pesquisa e/ou mesmo à educação, mas em outros rincões. É a fuga de cérebros...

domingo, 1 de março de 2009

As origens do Brasil e o cretinismo da busca pela identidade nacional*


Em uma das muitas rocambolescas buscas pela famigerada “identidade nacional”, o já falecido antropólogo Darcy Ribeiro, em O povo brasileiro, inicia sua análise refletindo a respeito da conquista do Brasil pelo império marítimo lusitano. Logo de cara, pode-se perceber que a reflexão do autor é pautada pela dicotomia que opõe o indígena ao português, não por acaso o título do capítulo de abertura é “O enfrentamento dos mundos”. Tal oposição não surpreende, já que, realmente, a visão do “outro”, tanto por parte do nativo quanto do homem de ultramar, foi algo chocante e fantástico. Como coloca o próprio autor, esse encontro só poderia ser entendido pelos índios, se esses recorressem ao seu imaginário mítico. Teriam então, de início, visto nos homens brancos, criaturas de aparência horrível, saídos dos barcos, barbudos e imundos após longo tempo de navegação, mas por outro lado, seres que poderiam estar trazendo algum bem. Os índios ficaram fascinados diante do desconhecido; algum tempo depois já seriam vítimas da desgraça trazida pelo conquistador.
Quanto a esse último, me parece que Ribeiro traça um perfil um tanto quanto simplista da visão que o mesmo sentiu em relação às gentes do Novo Mundo, dando ênfase na questão econômica (Darcy era marxista) que motivou a conquista e logo inferindo que os lusitanos pisaram nas praias do litoral brasileiro já totalmente imbuídos da busca por riqueza, glórias e sabendo que os nativos seriam instrumentos a serviço dele, o conquistador. É certo que não se pode desprezar esses fatores, mas e o imaginário do português, onde fica? Afinal, aquele também era ao europeu um mundo desconhecido, imaginado como um paraíso de cores vivas, de fauna e flora exóticas, de odores mágicos, de habitantes que andavam nus, imagem que até hoje ainda norteia o pensamento europeu sobre a América Latina (o verão carioca e o Carnaval contribuem para vender tal imagem).
É sobre essa "visão do paraíso", termo que deu título à obra do historiador Sérgio Buarque de Holanda1, e também tema de estudos de Marilena Chauí2, que Ribeiro deixa de conceder o lugar merecido, afinal, a mentalidade, é ela também responsável pelo desenrolar histórico. É certo que o autor toca nesses pontos, mas se deixa suplantar pela mentalidade ocidental que ele próprio quer criticar, isto é, coloca as questões do imaginário em segundo plano para abordar a sanha de poder, riqueza e glória do conquistador, algo que a reflexão de Ribeiro deixa transparecer como algo racionalmente premeditado e posto em plano, exatamente como no papel, no instante imediato em que os lusos desembarcaram no litoral virgem das novas terras. É a partir daí que a análise se torna ainda mais dicotômica. De um lado a avidez do conquistador, cria mais perfeita do demônio, usurpador e genocida por natureza, do outro, um bando de índios vivendo na mais perfeita harmonia, criaturas de pureza e bondade ímpar, habitantes de um mundo onde até então só eram conhecidas a ajuda mútua e a igualdade total (ideia sentimentalóide e obviamente falsa) e que seriam a partir de então arrancados violentamente de seu idílio. É evidente que em várias situações o índio foi vítima de massacres enormes, mas é preciso compreender o curso da história antes de nos atermos ao denuncismo e aos julgamentos, coisa de juízes e não de cientistas humanos, como já versava o grande historiador Marc Bloch. É equivocado querer entender a gênese do processo colonial no Brasil, atrelando-a a um plano que supostamente já existia. Os portugueses pouco planejaram alguma coisa que fosse. Tratar os índios como se fossem de uma pureza angelical é fazer vistas grossas à sua própria capacidade de organização. A ilha de Utopia, descrita por Thomas More, jamais existiu no planeta Terra e pensar o contrário é a mais ingênua fantasia, algo extremamente elementar, mas que até hoje escapa a alguns esquerdopatas. É de bom grado observarmos surgirem teses que polemizam com a insustentável ideia de que os índios brasileiros, por terem sido habitantes de regiões cobertas de florestas e matas, encontravam tudo ao alcance das mãos ou do disparo de uma flecha e prescindiam de formas de organização social e política. O antropólogo Carlos Fausto3 é um dos que mostrou justamente o contrário ao defender que antes da conquista haviam aqui civilizações com formas de governo específicas, hierarquia, normas e tradições culturais elaboradas, aspectos que não foram apanágio somente de incas, maias ou astecas.
O estudo de Darcy Ribeiro enfoca ainda a questão religiosa envolvida na chegada do europeu ao Novo Mundo. Nesse sentido, os jesuítas foram os portadores de uma missão salvacionista cuja intenção era redimir o indígena, tido como herege, idólatra e adorador do demônio, por meio da prática da catequese e da introdução da fé católica entre os gentios. Segundo Ribeiro, embora os jesuítas, de modo geral, fossem bem intencionados, sua missão não combinava com o projeto de enriquecimento do colonizador. Os missionários não conseguiram evitar os massacres e muitas vezes se viam num dilema entre salvar os indígenas de fato ou aceitar a colonização como um caminho inelutável para limpar as almas pecadoras dos nativos. Ribeiro defende a ideia de que venceu o projeto colonizador, mas ele mesmo parece ter dificuldade em explicar se os jesuítas tiveram ou não sucesso. Catequizaram mas não salvaram, lavaram as mãos e realizaram a missão religiosa de que estavam incumbidos deixando, resignadamente, o lado prático da colonização aos colonizadores. Ora, mas se foi assim, então por que pensar que as missões são uma face oposta ao projeto colonial?
Levando em conta o aspecto anterior, é preciso indagar até que ponto a catequese verdadeiramente converteu os índios. No caso da América espanhola, estudiosos como Héctor Bruit4 e Serge Gruzinski5, mostraram magistralmente que a fé religiosa é um fenômeno mental de longuíssima duração e que provém dos recônditos mais profundos da psique humana. Nesse sentido, a conversão, pelo menos em curto/médio prazo, jamais se daria num nível que fosse, no máximo, pouco além do superficial. Bruit reflete a respeito da simulação dos vencidos, ou seja, um emaranhado complexo de práticas mentais e de referenciais de significação que permitiam uma certa resistência do indígena face à dominação. Já Gruzinski, complementando, acredita que a idolatria é um processo extremamente amplo e difuso entre as sociedades nativas, algo que permaneceu e posteriormente foi se transformando e definindo o pensamento mestiço dos povos ibero-americanos, algo porém, do qual ainda não tomamos consciência, o que explica em parte a ridícula busca pela identidade nacional. Assim, índios assistiam à uma missa com crucifixo na mão e logo após se dirigiam à trilhas nas florestas para praticar rituais xamânicos de origem pré-colombiana. É possível que estudos sobre esse tema para o caso brasileiro já tenham sido feitos, mas confesso meu desconhecimento a respeito.
Na sequência de sua obra, Ribeiro aborda o processo civilizatório brasileiro que, segundo o autor, deu origem a dois tipos (mais uma vez dicotômicos) de povoação. Uma delas é a civilização urbana, habitante dos grandes centros, - predominantemente litorâneos, reflexo do tipo de colonização empreendida pelos portugueses - letrada, culta, pautada pelo racionalismo ocidental de matriz europeia, chegada aos progressos da civilização material, atualmente em face com os processos da modernidade, a outra, rural, agrarista, tradicional, de origem humilde, distante dos grandes centros urbanos, habitante de um Brasil desterrado e de baixa densidade demográfica, alheia às novidades da modernidade.
É impossível não se lembrar, lendo Ribeiro, do filme Bye bye Brasil, ao mostrar o choque cultural entre um grupo de mambembes vindos da cidade grande, conhecedores de uma cultura cosmopolita, ainda que capenga e de certo modo precária, com o interior do país. O filme é uma exposição crítica da cultura brasileira, influenciada por estrangeirismos, em choque com o homem rude do sertão, deslumbrado com o progresso material e com a possibilidade de enriquecimento, quando toma os primeros contatos com a “cultura urbana”. Bye bye Brasil traz à tona a incessante busca do povo brasileiro para tentar encontrar sua identidade. Busca essa que se apresenta tortuosa e que me parece artificial, pois ao invés de ser um processo natural que reúna as tradições culturais de todas as etnias que compõem o povo brasileiro - o índio, o branco e o negro - e levando em conta também as miscigenações entre elas, acaba se alojando em elementos externos à nossa brasilidade e, com o tempo, por não conseguir realizar uma síntese fecunda com as tradições próprias do Brasil, se deteriora e faz iniciar um novo ciclo de busca. Quando não é assim, a busca identitária descamba para as idealizações próprias do romantismo, isto é, o herói-mártir, que tanto pode ser um Tiradentes, como um quilombola audacioso, o índio puro e selvagem que consegue uma aproximação amigável com o mundo do homem branco ou o negro que se liberta fantasticamente e como num passe de mágica do jugo dos dominadores. Tudo isso passa a clara impressão de que o brasileiro ainda não se deu conta de que é um povo essencialmente mestiço e que, se tentar procurar sua identidade, deve fazê-lo de modo a sintetizar as contribuições de cada etnia formadora desse povo, sabendo que nem assim deixará de ser mestiço, mas pelo contrário, definirá a mestiçagem como marca principal dessa “identidade”.
Talvez não seja possível oferecer uma receita para isso que acabo de escrever, sendo como eu mesmo já salientei, um processo natural, muito mais da consciência e do pensamento, do que algo propriamemte prático. Nos dias de hoje o Brasil é conhecido no resto do planeta, fundamentalmente pela qualidade de seu futebol e pela inigualável grandeza de seu carnaval. Quanto ao futebol, é inegável sua importância no que concerne à cultura de massas e a vibração e o êxtase coletivos proporcionados pelo esporte mais popular do país, são aspectos a serem considerados. O Carnaval também é um momento ritualístico que tem por objetivo descarregar os instintos e as pulsões, é igualmente um êxtase coletivo que não poderia se dar em atividades que exigem disciplina e concentração. Acontece que liberar os instintos e as pulsões é uma necessidade do ser humano, não só do povo brasileiro, tanto é assim que nos EUA, por exemplo, os esportes mais populares são o beisebol, o basquete e o futebol americano, assim como na Itália é o automobilismo, ou seja, cada país tem o seu esporte que cumpre o papel do futebol no caso brasileiro, nem por isso esses países são conhecidos por “país do beisebol”, ou “país do automobilismo”. Rituais como o carnaval também existem no mundo inteiro, podem assumir, é verdade, forma e conteúdo diversos, mas o objetivo é o mesmo. Fazem parte da cultura de um país, isso não se nega, mas não é como no Brasil, onde é erigido como um ícone representativo da identidade coletiva de um povo inteiro. O mais paradoxal é que futebol e carnaval não são elementos originários da nossa cultura, são importações.
Pior ainda do que vagar inutilmente na busca de uma identidade unívoca e uniformizante, característica típica de regimes políticos autoritários, é se orgulhar do famoso “jeitinho brasileiro”, acreditar que oferecer cargos públicos a amigos ou enganar os outros, não só é plenamente justificável, como significa esperteza. O “jeitinho” é responsável por um dos maiores males de nossa sociedade, ou seja, a confusão entre público e privado, entrave fundamental a qualquer possibilidade de democracia. E assim vamos...

* O texto é uma adaptação feita a partir de um trabalho acadêmico redigido no 2° semestre de 2004 para o curso de Antropologia da faculdade de História da PUC/SP.


Notas

1. HOLANDA, Sérgio Buarque de, Visão do Paraíso, São Paulo, Brasiliense, 1992, (5° edição).
2. CHAUÍ, Marilena, Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária, São Paulo, Perseu Ábramo, 2000.
3. FAUSTO, Carlos, Os índios antes do Brasil, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000.
4. BRUIT, Héctor H., Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos, Campinas, UNICAMP, 1995.
5. GRUZINSKI, Serge, A colonização do imaginário, São Paulo, Companhia das Letras, 2003.