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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Feiras vendendo filhotes? Fuja desse crime!


Os escritos que seguem abaixo iriam ser alocados a princípio no tópico "E ENTÃO", porém, como o assunto é sério demais para merecer menos destaque, abro uma postagem exclusiva para trazer à tona mais um crime que acontece à luz do dia e debaixo dos narizes da população brasileira.
A venda de filhotes de cães de raça em frente à Cobasi Villa Lobos (SP) continua rolando solta. Em São Paulo a lei nº14.483/07 proíbe a venda de animais em locais públicos, onde geralmente ficam expostos debaixo de intempéries, sem água nem comida durante horas, mas como estamos em um país no qual leis existem para ser descumpridas, a infração é praticada sem que os infratores se preocupem com possíveis punições, que na maioria das vezes, não ocorrem. Quantas dessa feiras ilegais não são realizadas Brasil afora?
Além dos inúmeros maus tratos que os criadores cometem, chegando até mesmo a descartar animais que nascem com alguma anomalia ou aqueles que "encalham" e, já mais crescidos, não encontram mercado, os desdobramentos negativos muitas vezes envolvidos nesse tipo de comércio são bem conhecidos por pessoas minimamente conscientes e informadas (escrevi neste blog o artigo Porque não comprar animais, abordando exatamente tal situação).
Como se não bastassem esses problemas graves, há animais para adoção dentro da própria Cobasi. Há animais para adoção em ONG´s, em abrigos e em pet shops. Há ainda animais nas ruas esperando para serem resgatados. Só mesmo quem é totalmente estúpido e ignorante pode fechar os olhos diante desse quadro e chegar ao ponto de comprar animais.
Denunciar não basta nesse país, pois as coisas não são levadas a sério. O jeito é gritar contra esse absurdo e tentar convencer quem pensa em comprar algum bicho de estimação a não fazê-lo de modo algum, optando pela adoção. Quem sustenta esse comércio indecente, afinal de contas, é o comprador, para o qual as feiras existem. Aqui, ainda que seja o mínimo a se fazer, este blog tenta cumprir seu papel na prestação de informação. JAMAIS COMPRE ANIMAIS, ADOTE-OS!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Quo vadis, Dilma?


Passados nove meses da presidência de Dilma Rousseff, há pouco de novo o que refletir sobre seu governo, até porque a sucessora de Lula ainda não deixou claro a que veio, um absurdo depois desse tempo na gerência do país. No máximo, é possível compará-la com o ex-presidente, em relação ao qual ela tem algumas vantagens, mas também, vários pontos negativos em comum, sobretudo a incapacidade para realizar as mudanças estruturais necessárias, sem as quais o Brasil não sairá de seu atraso institucional e socioeconômico.
Ao contrário de Lula, Dilma é muito mais discreta e bem menos autoindulgente, mais preocupada com o cotidiano administrativo e menos palanqueira, o que seria bem significativo se ela pudesse usar tais características para se desvencilhar de seu antecessor, o pior político que já governou o país. Acontece que a presidente não tem como fazer isso, pois é Lula quem fornece o lastro velado que possibilita a governança dilmista. Arrisco afirmar que todo o mandato de Dilma irá se desenrolar sob o prisma do banho maria, tática que atende bem ao objetivo de deixar o terreno em pousio até que o ex-presidente retorne como presidenciável em 2014.
Na semana anterior Dilma discursou na ONU, causando aquele típico furor ingênuo entre seus correligionários. Nada surpreendente em se tratando da militância petista que, historicamente e em qualquer situação, coloca o partidarismo bem acima dos projetos de governo. Estranho, isso sim, foi ter observado a presidente malhando o Partido Republicano dos EUA por ser partidarista, ao mesmo tempo em que ela é do PT, a mais partidária das siglas brasileira. Por sinal, as contradições deram a tônica do fraco discurso de Dilma, obedecendo ao velho “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”. Primeiro, como mulher ocupante do cargo de líderança máxima da nação mais influente da América Latina, ao menos em tese,  ela abordou o feminismo, mas sem que o assunto tenha sido alguma vez utilizado como mote de sua campanha e de seu programa. Oportunamente, ela se disse favorável à criação do Estado Palestino, porém, não fez qualquer menção crítica aos governos tirânicos do mundo árabe, algo que inclusive, tem muito a ver com a condição feminina.
Dilma discursou também a respeito do protecionismo, atacando países europeus que adotam a prática, no entanto, falou isso dias depois de ter autorizado o aumento do IPI sobre veículos importados, medida absurda, inexplicável, tiro fatal na tentativa de obrigar as montadoras brasileiras a entrar na competitividade. Com o aumento desse imposto, o governo promove dois disparates de uma única vez, isto é, passa a causar receio no investidor estrangeiro e mantém no atraso a parca indústria automobilística nacional. Se quisesse tomar uma medida saudável e inserir o automóvel brasileiro na corrida de mercado, teria reduzido os impostos, que chegam a alcançar cerca de 37% do valor de compra, o dobro verificado em outros países emergentes. Levantar essa bola no Brasil, porém, é ser “neoliberal”. Em termos de política interna, as contradições não se diluíram, muito pelo contrário. Dilma fez uso do clichê “substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo”. Bonito e... ordinário! É o pessoal do partido dela que ainda vê a globalização como imposição econômica e unilateral dos países do Norte, são os mesmos que acreditam na aplicação de teorias desenvolvimentistas e estatizantes para o mundo atual e que enxergam no liberalismo não mais do que uma ideologia burguesa.

O Brasil precisa de uma renovação urgente em seus alicerces, que permanecem fincados no lodaçal do paternalismo, do clientelismo, do populismo, dos interesses familistas e dos privilégios da casta política, mas Dilma não tem estofo nenhum para enfrentar os fantasmas da velha (des) ordem nacional. O próprio PT nunca foi marcado por interesses verdadeiramente modernos e democráticos, ilusão de tanta gente que não tem noção alguma a respeito de democracia. Foi um partido que nasceu apenas na tentativa de fazer valer o seu autoritarismo, sobre outro, então vigente.
A inépcia do governo Dilma, como já ocorria na era Lula, comprova-se na medida em que certos índices são postos em análise: o investimento em educação é de aproxidamente 4,5% do PIB, metade do que se gasta em países desenvolvidos, algo gravíssimo para uma nação que vai bem mal das pernas nesse indicador; em tecnologia, não passam de 1,6%, até quatro vezes menos do que o recomendável; finalmente, no tocante aos gastos com meio ambiente, o Brasil fica abaixo de inúmeras outras nações, com R$ 4,43 por hectare, relação péssima entre a extensão das áreas a serem preservadas e as despesas investidas na preservação. É inconcebivel que num país com carga tributária tão pesada, os investimentos em setores chave do desenvolvimento socioeconômico se situem em patamares bem abaixo do necessário. Governo que gasta muito no que não deve - vide eventos esportivos inú
teis - e pouco no que é preciso. E então, presidente Dilma Rousseff, cadê a reforma tributária, cadê a correção dos investimentos devidos?!
A atual presidente do Brasil está há nove meses no cargo e sua administração efetiva ainda não se iniciou. Fica evidente a falta de habilidade, personalidade, coragem e interesse de Dilma Rousseff em lidar com os problemas do país e dar um jeito na falência de nossas instituições. Poderão afirmar que, pelo menos, ela vem promovendo a tal faxina contra a corrupção, o que não seria pouco. Acreditei nisso até que Dilma trocou o ministro do Turismo por um apadrinhado político do clã de Sarney. Para onde vais, Dilma Rousseff? Certamente, vai na contramão do desenvolvimento. É a cara do Brasil!

sábado, 17 de setembro de 2011

Nenhuma ovelha negra para o marxismo


Escrevi há tempos o artigo intitulado A inglória tentativa de salvar Stalin, procurando delinear evidências históricas que ajudam a desmentir qualquer possibilidade de conferir ao ditador totalitário algo de positivo e que o isente do horror que comandou.
Um liberal, por princípio, se coloca em posição de absoluto antagonismo aos que defendem o regime stalinista. No entanto, a linha de pensamento pró-Stalin tem uma vantagem, ou seja, permite identificar claramente a doutrina comunista e todo o ideário daqueles que a adotam. É também uma postura mais autêntica, na medida em que não precisa fazer uso de distorções para assumir o pensamento de Marx em seus fundamentos, ou pelo menos, o mais próximo possível deles.
Na década de 1950, antes mesmo da abertura dos arquivos de Moscou, portanto sem dispor de muita documentação, mas dotado de enorme percepção histórica, Waldemar Gurian, com seu brilhante Bolshevism: An introduction to Soviet Communism, até hoje infelizmente sem tradução para o Português, foi um dos primeiros a concluir que jamais houve ruptura de preceitos entre Marx, Lenin e Stalin. Depois desse estudo pioneiro, autores como Leszek Kolakowski, Czseslaw Milosz, Orlando Figes, Robert Service, Simon Sebag Montefiore e Robert Gellattely, já dispondo de farta documentação acerca do totalitarismo soviético, confirmaram aquilo que Gurian havia trazido à tona. Na década de 1960, alguns anos após o escancaramento dos crimes stalinistas, vários escritores, políticos e historiadores romperam com o comunismo. Outros, por apego ferrenho à ideologia, continuaram fiéis à tradição de Marx e, assim sendo, mantiveram-se igualmente fiéis a Stalin.
Apesar do stalinismo estar vivo até hoje, inclusive motivando estudos recentes que buscam mais do que nunca reabilitá-lo para o grande público, - daí o artigo que escrevi - a corrente stalinista não é majoritária dentro do pensamento de cunho marxista. Tal papel cabe à vertente leninista, que de sua parte insiste em afirmar que Stalin é a negação dos ideais de Marx, a ovelha negra do marxismo, protagonista de um regime brutal que nada teve a ver com a teoria exposta pelo pensador alemão. Lenin, segundo essa visão, seria um homem virtuoso, bem intencionado, cujo grande objetivo foi curar a Rússia dos males provocados pelo czarismo através da distribuição da riqueza e da mudança para um regime de liberdade política, algo que ele teria consolidado se vivesse por mais tempo. Não é preciso ressaltar que a interpretação leninista não consegue enxergar a figura de Stalin como exato representante da consolidação da revolução de Outubro de 1917, além do fato, mais óbvio ainda, de que a realidade revolucionária sob o próprio Lenin, transcorreu de maneira totalmente contrária ao que estava presente nos discursos e na manifestação das intenções.
Na obra prima de Gurian podemos verificar que a teoria revolucionária veio da pena de Marx, o estabelecimento dos meios táticos concretos ficou por conta de Lenin, algo que qualquer um reconhece e que não é novidade, mas também que a consolidação dos fins a partir da teoria e da tática preconcebidas, coube a Stalin. A luta de classes jamais deixou de fazer parte do regime stalinista, por isso a necessidade constante de impor o terror e os expurgos, situação inerente ao que Marx pregou desde as primeiras linhas do Manifesto Comunista. Não por acaso Stalin sempre ter citado Marx e Lenin como justificativa para suas ações.
O teórico do comunismo nunca conseguiu resolver a questão do motor da história como fator direto das leis da história ou da necessidade da ação revolucionária. O primeiro dos fatores serve somente para desmentir Marx, restando o segundo, não como manifestação proletária, mas sim como resultado das práticas de líderes encarnados por Lenin, Stalin e outros ditadores comunistas. Se Stalin e, logicamente Lenin, em algum ponto contrariam Marx, é justamente com relação ao papel do indivíduo na história.
Analisar intenções históricas querendo com isso isentar alguma personalidade política é uma empreitada arriscadíssima, tentativa cuja chance de incoerências e fracassos é notória. Não é nenhum absurdo acreditar que as intenções de Marx e de Lenin fossem as melhores possíveis. Por que as de Stalin seriam diferentes? Hitler vislumbrava um futuro reluzente para o povo alemão, seus pensamentos e discursos estão repletos de boas intenções. Entretanto, o que conhecemos na história acerca da experiência humana, é aquilo que tem existência prática e real, os métodos. Métodos completamente equivocados quando se trata das doutrinas totalitárias das quais o comunismo, incontestavelmente, faz parte. Métodos tais que jamais poderiam ser reavaliados por seus executores, pois constituintes essenciais de doutrinas que mantêm um descompasso característico para com a realidade, fruto, sem dúvida, do fanatismo que as abarca. Logo nos primeiros meses depois da revolução, Lenin, amparado pelo argumento peremptório do cumprimento da lei histórica, passou a eliminar os sovietes ou qualquer outro suposto inimigo da causa, implantando a ditadura dentro do próprio partido.
O comunismo não pode ser interpretado como uma ideia boa que não deu certo, mas que alguma vez poderá dar. Não, ao contrário, é uma ideia cujos fins podem ser bons na intenção, mas que inelutavelmente conduz a métodos brutais. Marx sempre frisou a violência como elemento característico da revolução, Lenin cansou de dizer que uma revolução sem pelotão de fuzilamento não faria sentido, Stalin institucionalizou os gulags e os expurgos, métodos sem os quais as leis da história não se processariam. Métodos que, analisados historicamente, nos revelam que o marxismo real, aquele que foi posto em prática e que só poderia resultar em um único caminho, não legou nenhuma ovelha negra, mas sim filhos legítimos das páginas escritas por Marx.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O ideólogo e o cientista - um diálogo


Um estudante do sétimo semestre do curso de Sociologia vai até o balcão de uma papelaria para comprar uma caneta esferográfica e um líquido corretivo. O dono do estabelecimento se formou há muitos anos em Biologia, concluiu doutorado e aposentou-se do cargo de botânico em uma grande instituição de pesquisa. Além de microempresário, tornou-se ávido leitor de livros de Humanas. O diálogo começa com o estudante ideólogo perguntando sobre o valor da compra, seguido pela resposta do cientista microempresário, obedecendo até o fim a mesma alternância.

- Quanto é?
- Ficou em um total de oito Reais e trinta centavos.
- Caro, hein? Fazer o que? É o capitalismo.
- Desculpe, mas não está caro, é o preço de mercado.
- O capitalismo age assim, ele promove lucro para poucos e pobreza para muitos.
- Meu amigo, não é por nada, mas preciso atender outros clientes...
- Claro, claro, quanto mais vender melhor, mais lucros! Capitalistas só pensam em ganhar dinheiro!
- Olhe, primeiro que esse termo "capitalismo" é genérico e ao mesmo tempo estigmatizado. Quem o usa quer explicar tudo, mas não explica nada. Se quiser falar em "economia de mercado", estará sendo mais preciso, mais específico. Segundo, estou fazendo meu trabalho.
- O mercado é a expressão da exploração capitalista! O senhor é o que, vendedor de canetas? Não enxerga as mazelas sociais, não tem noção da realidade, não percebe a alienação.
- Sou biológo aposentado, se quer saber.
- Ahhh, biólogo, está explicado! Não é um intelectual.
- Bem, cientistas não são considerados intelectuais no Brasil, o que é lamentável.

À  essa altura o dono da papelaria já havia sido obrigado a deixar o atendimento aos clientes da loja. Os funcionários continuavam o serviço.

- Intelectual é aquele que denuncia as contradições da sociedade!
- Caso esteja achando que o preço não é justo, não há problema, pode desistir da compra. Há uma outra papelaria a 10 minutos daqui, indo reto depois de virar à direita na próxima travessa.
- Não, deixa pra lá, estou com preguiça. Só fiz meu protesto.
- Se é assim... Só saiba que a concorrência existe justamente para isso nas economias de mercado. Cliente não está satisfeito aqui, pode procurar o mesmo produto ali ou acolá. Oferta e demanda...
- Não há ética no capitalismo!
- Está certo meu caro, o sistema econômico em si, não envolve questões éticas. A ética é um elemento puramente humano, são as pessoas que têm ética ou não.
- Conversa! Quem defende o capitalismo é indigno! Enquanto a burguesia se diverte em iates, em quadras de tênis e apartamentos de não sei quantos metros quadrados, o trabalhador passa fome. Todo burguês deveria doar um boi por mês para que o governo os redistribuísse às classes laboriosas.
- Bem, assistencialismo não elimina a pobreza. Além disso, eu por exemplo, sou um trabalhador, mas não quero que o governo me dê bois, a não ser que seja para eu cuidar deles. Acho muito estranho você fazer discurso sobre ética, dignidade, contradições, mazelas...
- Ah é, posso saber porque?!
- O que você pensa sobre o respeito que o ser humano deve ter com os animais? Como cientista e como cidadão ético, eu já aboli faz tempo o consumo de carne.
- Ahn? Está brincando, é vegetariano? Como pode não gostar de um churrasco? É muito bom! O senhor é um burguês que come folha!
- É..., como eu disse, a ética está nas pessoas, ou não... Já ouviu falar em emissão de metano na atmosfera? Sabe algo a respeito do consumo de água envolvido na pecuária? E o intenso sofrimento provocado por regimes de engorda e confinamento? E o próprio abate?
- Animais? Me preocupo com pessoas, o resto é alienação burguesa!
- Ora, ora, temos aqui um típico exemplar do pensamento especista, incapaz de enxergar qualquer relação ecossistêmica, alguém que não percebe que o ser humano faz parte do meio natural e não meramente o ocupa. Que lástima! Você pesquisa por empresas que respeitam padrões de sustentabilidade?
- Escute aqui, aonde você quer chegar com todo esse papo furado? O que tudo isso tem a ver com a exploração capitalista?
- Digamos que eu já tenha chegado até os fundamentos da sua ignorância. Eu poderia continuar e alertá-lo para o fato de que o consumidor possui o contrapoder de pressionar as empresas e assim proporcionar elementos de ajuste sobre possíveis desregramentos do sistema. Mas isso é demais para sua cabecinha de ideólogo!
- Opa, opa, você está me ofendendo!
- Ah é? Até agora foi exatamente só o que você fez! Sabe de uma coisa? A loja já passou do horário de encerrar o expediente, o dia foi muito cansativo e os funcionários precisam descansar, assim como eu.
- Quanto eu devo por essa droga?
- Nada! Não vou vender para você.
- O que?!
- É isso mesmo que escutou. Agora, ponha-se daqui para fora, vá estudar e tente obter maior ganho de consciência ao invés de propagar esse discursinho panfletário, simplista e cheio de clichês idiotas!

* PS: deve-se ressaltar, apesar de óbvio (nem todos enxergam um palmo além do nariz), que a parábola envolvida no diálogo não tem qualquer objetivo de depreciar sociólogos e estudantes e enaltecer biólogos, cientistas e microempresários; o cerne da questão é outro, evidentemente.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Algumas considerações sobre a queda de Kadafi


Com a queda do regime ditatorial de Muamar Kadafi na Líbia praticamente consolidado, tenho observado algumas perspectivas nem tão otimistas em relação ao futuro do país. Isso se deve, da mesma maneira como ocorre com outras nações do mundo árabe que passaram por recentes derrubadas de governos autoritários, em função da incerteza quanto ao desenvolvimento de sistemas democráticos em substituição às ditaduras postas ao chão. Realmente, para que uma democracia se estabeleça é necessário haver tempo de maturação da ideia e da cultura democráticas, condição que só pode advir do âmago dos indivíduos e da sociedade. Nesse sentido, é bastante difícil arriscar qualquer avaliação estrutural ou mesmo conjuntural sobre o futuro desses países. Some-se a isso, no caso líbio, a fragmentação política tribal, a possibilidade de emergência de radicalismos islâmicos e a questão do petróleo para que esteja em total suspense o que virá daqui para frente.
A despeito dessa situação incerta, entretanto, creio que certos aspectos positivos envolvidos no fim do governo de um ditador que estava há quarenta e dois no poder não podem ser negligenciados. Vamos a eles:

1. Como todo ditador, Kadafi necessitava criar e recriar continuamente uma falsa realidade para se manter no poder. Ele conseguiu iludir a população líbia por décadas, mas chegou um momento em que a fratura entre a realidade concreta e a ilusória, fruto da mente diabólica do tirano, assumiu nitidez tão forte que não pôde mais ser mascarada. Até momentos derradeiros antes de sua queda, Kadafi acreditou que o povo líbio o amava, paranoia de uma criatura que acaba vendo o feitiço do poder mantido às custas do medo e da enganação, se virar contra o feiticeiro. A loucura de um tirano é o sinal mais claro da decadência de seu regime, tornado incapaz de continuar mantendo a farsa que o sustenta.

2. A liberdade é um valor universal, o maior que um ser humano pode aspirar, algo que, mais cedo ou mais tarde, sempre irá bater à porta daqueles que se encontram sob o domínio de ditaduras. Quando a maioria de um povo sai às ruas lutando para ser livre, não há regime autoritário que possa se manter. Essa é uma lição simples, mas nada perceptível para homens como Kadafi, alucinados pelo culto à própria personalidade.

3. Ainda que os tribalismos vigentes na Líbia não devam ser descartados como fator de forte complicação para a viabilidade do futuro governo no país, não se pode esquecer também que a aversão a Kadafi se tornou um significativo vetor de união dos rebeldes, elemento que poderá fazer com que as tribos fiquem bem mais atentas em relação à necessidade da virtude política ao invés de permanecerem imersas no atoleiro das disputas tribais. A opção por uma postura política pautada por diálogo e coalizão em detrimento do ódio etnocultural é válida não só para a Líbia, mas para grande parte da África, condição fundamental para que o continente possa dar passos na direção contrária do estado em que ora se encontra.

4. A vitória dos rebeldes e o fim da ditadura de Kadafi, também aqui como já havia acontecido no Egito e na Tunísia, indicam de modo claro que a luta por uma causa justa deve obrigatoriamente estar imbuída de caráter político, manifestada através da ação civil e direcionada de modo inequívoco contra o foco da opressão. Ações terroristas não podem e não devem ganhar apoio de uma maioria, pois apenas contribuem para que uma possível justeza de propósitos se veja completamente exaurida de razão face à violência inadvertida que produz vítimas furtiva e indistintamente. Se a criação do estado Palestino se reveste de todas as justificativas, o fato da questão estar entregue a grupos terroristas como o Hamas, não só invalida a reivindicação, mas prejudica a própria causa, justa em essência.

5. Como afirmou o geógrafo Demétrio Magnoli, a intervenção militar do Ocidente na Líbia foi necessária e positiva, já que ajudou os rebeldes e enfraqueceu a desmedida resistência da minoria leal a Kadafi, mantida, sem dúvida, por força de coerção, chantagem e medo. Quem terá a coragem de reconhecer isso? Certamente não serão aqueles, ditos de esquerda, que nutrem simpatia por regimes como o de Kadafi. Chega a ser inacreditável que tantos ideólogos, até hoje, ainda não tenham percebido que em se tratando de ditaduras a forma está acima do conteúdo ideológico. Ditaduras são execráveis independentemente das orientações políticas que lhes conteudizam.

6. As revoluções democráticas do mundo árabe têm tido sucesso em seu objetivo imediato, a derrubada de tiranos há décadas no poder e o fim das brutais ditaduras. Iêmen, Irã e Síria são basicamente os últimos bastiões de tirania no Oriente Médio, sendo que nesse último, a figura sinistra de Bashar Al Assad vem cometendo crimes odiosos contra a população que clama por liberdade. Se estou certo no que penso, ele não poderá resistir indefinidamente. Se mais uma ditadura vier a ruir, tanto melhor para os sírios e para o mundo, fato que já deveria ter levado países europeus a impor sanções ao petróleo de Assad.  Enfraquecê-lo é contribuir com o fim do banho de sangue e com a causa da liberdade.

Concluo admitindo que talvez esteja muito otimista e empolgado diante da queda de regimes autoritários e tirânicos que reputo entre as coisas mais abomináveis a fazer parte da história humana. Por mais que se deseje pensar o contrário e por mais que se torça pela liberdade, é forçoso ter que considerar a possibilidade de insucesso e no fim das contas, corre-se o risco da frustração perante uma troca de seis por meia dúzia, isto é, a substituição de uma tirania por outra. O ofício de historiador recomenda prudência e espera paciente pelo suceder dos acontecimentos, sujeito sabe-se lá a quais meandros, mas mesmo assim, não tenho como deixar de sentir apreço considerável - como já foi com as quedas de Saddam e Mubarak - diante do fim de criaturas iguais a Kadafi.