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terça-feira, 15 de maio de 2012

O historiador pedante


O intelectual é aquele que deve gerar e discutir o conhecimento para colocá-lo a serviço da sociedade. Está é uma apreciação simples e óbvia, mas frequentemente esquecida por muitos dos ditos intelectuais, especialmente pelos historiadores, que parecem ter tomado o primeiro lugar dos sociólogos na escala do pedantismo. Por que isso acontece? É difícil responder com precisão, mas pode-se arriscar algumas hipóteses.
Antes de mais nada, e nisso o perigo é tentador para todos os cientistas sociais, em nações subdesenvolvidas, nas quais boa parte de seus habitantes ainda sofre do complexo de colonizado, paira a ideia de que somente o pensador dedicado às Humanidades é capaz de construir uma visão de mundo e de identificar os problemas de fundo que afligem as sociedades. O erro é a crença segundo a qual todos os outros ramos do saber sem ser o das Humanas não passam de adornos secundários sem maior influência sobre o conhecimento, quase sempre "contaminados por alguma concepção alienada e burguesa". Como afirmava o saudoso Daniel Piza, no Brasil, por exemplo, um biólogo ou um físico não são considerados intelectuais. Se tomarmos a noção correta das coisas, no máximo, deveríamos considerar que esse "privilégio" com relação ao trato dos problemas de fundo é da alçada dos filósofos, e esses, por dever intelectual e moral, talvez mais do que todos os outros, jamais podem se deixar dominar por ideologizações rasteiras.
A questão ideológica está por trás de grande parte do pedantismo dos historiadores e, sendo assim, merece ser analisada com cuidado. É fato que a maioria dos historiadores adota o marxismo como referência e, necessariamente, quem se coloca como "historiador marxista" é um manipulador da história, alguém que a utiliza na tentativa vã e desonesta de acomodar o passar do tempo e as atividades humanas a um molde pré-fabricado supostamente comprobatório das etapas da dialética materialista. Nestes termos, qualquer elemento que vá contra o marxismo é meramente descartado como patológico, não à toa, o marxismo ser o pai de tantos autoritarismos. O historiador marxista, por mais que possa ser dotado de alguma sofisticação, em última análise, é sempre um exemplificador barato da teoria, enquanto o papel do historiador sempre deve ser o de teorizar exemplos.
O estatuto epistemológico mais particular da História - com letra maiúscula sempre que pensada como ramo do conhecimento - é a consideração das temporalidades. Os acontecimentos humanos se sucedem no continuum do tempo cronológico, contudo, as derivações profundas e as motivações dos homens se situam em temporalidades não-lineares, ou seja, as conjunturas e as estruturas históricas são devidas a um entrelaçamento complexo e difuso entre passado e presente. Tal apreciação é um importante marco teórico da História que deve conduzir a boa pesquisa histórica, mas nunca algo a ser tomado de forma a conferir privilégio por parte do historiador na observação do mundo. Invariavelmente, quando o domínio das temporalidades é julgado como recurso de análise privilegiado que simplesmente por ser uma ferramenta do historiador o coloca acima dos outros intelectuais, comete-se o tolo equívoco de substituir história por política retrospectiva, uma vez mais, ideologização ao invés de ciência. A História é uma forma de conhecimento, não uma mística superior reservada a clarividentes que detêm a chave dos mistérios.
Outra deturpação do conhecimento histórico chegou por meio do já decaído pensamento pós-moderno relativista. Nesse caso, os arautos de tal aberração se deram ao cúmulo de acreditar que a história absolveu os homens da observância de princípios morais. A única regra válida para a existência humana seria então um historicismo levado às últimas consequências, criador de tribunais históricos sazonais: o que vale para uma dada época, não pode valer para outra qualquer. O erro grosseiro do relativismo histórico é enxergar na história somente a mudança e daí querer transformá-la em filosofia. Mas que filosofia pode haver se dela estão exclusos todos os aspectos universais e atemporais da moral? Qual liberdade pode ser conservada se não for amparada por nenhum tipo de responsabilidade? O relativismo não produz conhecimento histórico, menos ainda conhecimento filosófico, mas apenas o caos na mente de seus adeptos. É curioso e contraditório notar que para os relativistas a história esteja apta a castrar a moral, mas nunca levada em conta na análise de padrões de moralidade que tantas vezes foram descartados e provocaram a ocorrência de distúrbios trágicos.
A história tida como experiência humana e a História conhecimento, que daquela retira seus extratos analíticos, compõem um conjunto rico e indispensável que, por sua vez, é parte do conhecimento geral que os homens são capazes de criar, discutir e reinterpretar. Não é preciso nada mais do que a capacidade de conhecer, bem como da consideração e do respeito que podem ser captados graças ao próprio conhecimento, para que o homem, em comunhão com todas as outras formas de vida que com ele coabitam este mundo, possa tecer um rico paneau de sua experiência, mas para tanto, é estritamente necessário que os jovens historiadores, os intelectuais em geral e todas as outras pessoas, se afastem e se resguardem das ideologizações e dos pedantismos.

Um comentário:

  1. Simplesmente não entendo os ideólogos (conservadores ou revolucionários). Manipulam toda a ciência a favor de seu "partido", para mim, os ideólogos não se importam com as consequências das próprias idéias. Caso típico é a forma como se aborda a escravidão no Brasil (repleta de visões tendenciosas e meia-verdades). A atual visão marxista da História, predominante no Brasil, favorece na verdade um racismo inverso através de uma afetação de indignação moral.

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