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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Avassaladora ignorância


Muito já escrevi neste espaço a respeito do tema "planejamento familiar", algo que jamais foi empreendido no Brasil, nem mesmo somente enquanto ideia a ser colocada em debate. Para um país de mais de 200 milhões de habitantes, cuja população, conforme estimativa do IBGE, irá crescer até 2042 e contando com a existência de inúmeros bolsões de pobreza nos quais a taxa de crescimento vegetativo se iguala à de nações africanas e onde muitas mães são adolescentes, solteiras e não podem sustentar nem a si próprias, quanto mais aos seus descendentes diretos, ensinar a refletir detalhadamente e realizar projeções racionais futuras a fim de decidir sobre a quantidade de filhos a serem gerados é altamente positivo e aconselhável, como não negaria nenhum especialista sério. Que o diga o grande historiador Evaldo Cabral de Mello, para quem, caso o Brasil tivesse posto em prática políticas de planejamento familiar desde os anos 1950 ou 1960, estaria atualmente em situação muito melhor.
O planejamento familiar se apresenta inicialmente como um aspecto de caráter econômico, mas evidentemente, ultrapassa em muito a esfera do puro economicismo, já que abarca questões éticas e sociais que se relacionam com o futuro da pessoa que vai nascer e daqueles que a concebem. Além disso, é elementar compreender que a Economia está muito distante de ser um campo do conhecimento restrito aos números, sendo fortemente vinculado a diversos aspectos da sociedade, lição que Friederich Von Hayek explanou há décadas. Tão claras quanto estas questões, também o é a noção de que planejar a família, como o próprio conceito de "planejar" sugere, sempre antecede o nascimento de uma pessoa, o que torna inócuo pensar nas despesas que os pais possam vir a ter depois que um filho já foi concebido. Levar em conta que uma criança necessitará de boa alimentação, cuidados médicos, vestimentas, educação e lazer é, pode-se afirmar, um dever dos pais, o que não faz deles criaturas frias e calculistas, pelo contrário, indica respeito e zelo com relação àqueles que irão colocar no mundo.
Uma das oposições mais importantes entre liberalismo e marxismo reside justamente no fato de que ao invés da primazia do econômico em detrimento das superestruturas, método de análise tipicamente derivada de Marx, os liberais jamais constroem análises em que política, religião e filosofia sejam relegadas ao segundo plano. Não pode haver liberalismo sem padrões éticos e morais, como apontaram Adam Smith e Edmund Burke, tampouco sem um profundo senso de interioridade, como mostrou Irving Babbitt.
Diante disto, é deplorável observar que pseudointelectuais como o sr. José Miguel Wisnik ainda sejam figuras tão recorrentes em países subdesenvolvidos. De acordo com Wisnik, o planejamento familiar corresponde a uma influência "avassaladora do neoliberalismo" sobre as atuais sociedades, uma prática da suposta racionalização econômica, totalizante e direcionadora no mundo de hoje. As palavras do próprio Wisnik, retiradas de um artigo intitulado Regurgitar, nos chegam assim: "O neoliberalismo, enquanto doutrina que propõe a redução formal e prática de todos os comportamentos humanos à sua expressão econômica [...], e que se propõe a decifrar todas as realidades e referências supostamente não mercadológicas em termos estritamente mercadológicos, realiza em grande parte a sua ambição universalizante, não só na macroeconomia contemporânea, mas também no imaginário cotidiano dos sujeitos atrelados em rede a seus cartões de crédito e no impacto em massa da linguagem publicitária com que convivemos a todo instante". Clap, clap, clap! Um jogo de palavras vazio e hiperbólico, como é característico de todo esquerdista encerrado na limitação ideológica.
Penso já ter discutido o suficiente no que se refere ao planejamento familiar enquanto assunto que transcende à expressão econômica, entretanto, sem conhecer nada da obra de Foucault e imaginando que o filósofo francês tenha feito análises válidas sobre o pensamento liberal que logicamente ele também desconhece, Wisnik recorre a um livro de Geoffroy de Lagasnerie (A última lição de Michel Foucault) para lançar a seguinte conclusão: "entendo que Foucault identificaria no neoliberalismo um papel significativo na quebra da lógica identitária que trabalha com as categorias da totalidade, sejam elas as religiosas ou as políticas, investidas no todo social." Wisnik tira tal conclusão a partir de Lagasnerie, sem estar convencido de que o autor de A última lição de Michel Foucault esteja correto. Mesmo assim, no final do artigo, ele procura no conceito de "hiperdialética" e no bojo da análise de Foucault e de Lagasnerie, a possibilidade de suplantar o "neoliberalismo" através da crítica interna e específica de suas supostas contradições, trazendo à tona as fraturas que quebrariam, "hiperdialeticamente", com a pretensa ação totalizante do "neoliberalismo", estratégia que não estaria ainda plenamente formulada, segundo Wisnik. A linguagem anódina e dadaísta é tragicômica, não só porque o pensamento filosófico que realmente tem algo de sublime a transmitir nos indique que o pós-modernismo de Foucault, inimigo e antípoda de qualquer liberalismo defensor do processo de liberdade como construção interior, não passa de charlatanismo, mas principalmente pela tentativa patética, da parte de Wisnik, de erigir uma reflexão acerca do liberalismo. Primeiro ele atribui falsas premissas marxistas ao liberalismo, depois, se perde completamente com Foucault, um anarquista perturbado e confuso, capaz de tecer admirações à revolução islâmica iraniana. Ao fim de tanta gororoba conceitual, nada pôde restar a Wisnik senão insistir no fim do "neoliberalismo" a partir da "hiperdialética", que ele empresta do pensador carioca Luiz Sérgio Coelho de Sampaio, qualificado pelo próprio autor como "excêntrico". Tem-se então que o "neoliberalismo" contém as armas que destruirão a si mesmo, isto é, um paradigma que visa à totalidade, mas que carrega consigo um potencial fragmentário e, em última instância, libertador. Belo exemplo de paranoia pós-moderna revestida de ranço marxista. Um nada que leva a lugar nenhum!
Wisnik acredita que vivemos em um ambiente tomado pela "avassaladora onda neoliberal", pois pensa que o liberalismo dá as cartas na China, no Oriente Médio, na Indonésia, na Rússia, na África e na América Latina. Quem fizer as contas dos contingentes populacionais de todos esses lugares certamente obterá uma quantidade que perfaz a ampla maioria dos habitantes do planeta. Se o planejamento familiar for um dos elementos constituintes da "avassaladora onda neoliberal", bastará uma simples operação de soma para que a análise de Wisnik se junte à montanha de lixo ideológico que caracteriza o esquerdismo. Avassaladora ignorância!

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Marina Silva: vale o risco?


O cenário eleitoral brasileiro que ora se delineia e que desembocará no resultado do pleito em outubro próximo é desesperador. Dentre os três candidatos mais bem colocados nas pesquisas, Aécio Neves, em virtude da racionalidade econômica que defende e do maior respeito pelas normas da democracia institucional, é aquele que considero o menos pior, mas, pelo andar da carruagem e a continuar assim, o tucano parece não ter chances de alcançar o 2° turno.
Alguns analistas liberais, notadamente Reinaldo Azevedo, têm reiterado que uma possível vitória de Marina Silva poderá ser ainda mais terrível para o país do que a continuidade do PT, pois supostamente, a acriana carregaria consigo um viés revolucionário situado à esquerda do próprio PT: não é demais lembrar que, entre outras "coisitchas", Marina vê com os melhores olhos os "movimentos sociais" e recebeu com entusiasmo o decreto bolivariano de Dilma Rousseff. Tomando outro caminho, mas chegando a conclusões igualmente assustadoras, um editorial de O Estado de São Paulo publicado em 07/09 levanta a hipótese do retorno de Lula em 2018 caso ocorra um mandato marineiro a partir de 2015. Isso é plausível, segundo o editorial, porque levando-se em conta o despreparo, a ausência de propostas sólidas e a tibieza de Marina, o risco de uma crise seria grande e faria com que o ex-presidente ganhasse mais capital político do que já tem, reabrindo-lhe as portas da presidência da República.
Para qualquer liberal que se proponha a destrinchar a figura política de Marina Silva, os argumentos acima são plenamente compreensíveis, afinal, ela representa um perfil incontestavelmente esquerdista, o que muito contribui para que se possa apontar como desesperador o cenário político do país. A despeito disso, penso que nada pode ser pior do que o PT, o partido mais rico e mais bem organizado do Brasil. O partido que estabeleceu a mais sólida estrutura de poder desde o início deste século e que lhe possibilitou, até este momento, mais de uma década de governança federal, que, gramscianamente, construiu um discurso hegemônico nos círculos escolares e acadêmicos (uma das consequências mais graves do petismo), que remodelou decisivamente o populismo de modo a torná-lo não apenas uma questão política, mas cultural, que reduziu drasticamente a independência dos Três Poderes, que instituiu a corrupção não como desvio, mas como modus operandi (esse aspecto ainda não foi entendido da maneira correta nem mesmo por aqueles que hoje se manifestam contra o PT, erro de compreensão determinante a ponto da corrupção não afetar acentuadamente o juízo político-eleitoral da população brasileira), que aparelhou a máquina pública em toda a sua extensão, que controla majoritariamente os sindicatos, a miríade de falsas ONG`S e que possui uma militância cuja capacidade de se transmutar da noite para o dia em milícia revolucionária é notória e já se tornou realidade. O PT é o partido para o qual a perpetuação do poder justifica qualquer coisa. O PT é um partido absolutamente ditatorial, algo que a própria história da sigla revela desde sua fundação. Enquanto pensavam que o comunismo se deparava com seu canto de cisne e chegava ao fim com a queda do muro de Berlim e o ocaso da União Soviética, ele na verdade deitava raízes na esfera cultural e na preparação dos "intelectuais orgânicos"...
Não é nada absurdo avaliar que Marina também pode estar contaminada pelo mesmo DNA petista (ela saiu do PT, mas será que o PT saiu dela?) e que sua incapacidade e inexperiência gerais são potencializadoras do retorno de Lula, mas - triste encruzilhada! - ela provavelmente significa a última oportunidade de varrer o petismo do poder no âmbito federal. Em crise o Brasil já está há um bom tempo e, crise por crise, uma que viesse de Marina teria mais chances de ser revertida: a estrutura e a organização do PT é que protegem o partido, mantendo-o como governo mesmo em meio a tantos escândalos e equívocos práticos e ideológicos.
E se, de fato, Lula voltar firme forte em 2018? Bem, caberá à sociedade brasileira avaliar se deseja realmente que isso aconteça e, embora pelas vias mais tortas e com todas as ressalvas devidas, Marina é a alternativa que se apresenta. Além disso, se Dilma vencer, mesmo já não faltando motivo algum para alijar o PT do poder e ainda que a situação do país venha a se tornar pior do que já está, isso não impede a candidatura de Lula daqui a quatro anos, se é que com a continuidade do petismo haverá espaço para eleições...
Vale o risco de eleger Marina? Caso sejamos obrigados a escolher entre ela e Dilma no 2° turno, não tenho dúvida de que vale; no 1° turno, vou de Aécio.