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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Um partido em migalhas



A História em migalhas é o título de um importante livro do historiador francês François Dosse. Ainda que o autor tenha certa dose de razão, haja vista que algumas pesquisas historiográficas empreendidas no último quartel do século XX pecam por seu caráter excessivamente idiossincrático e pela ausência de relações minimamente importantes com quadros sociais mais amplos, sempre desconfiei bastante das explicações baseadas nas ditas "causas gerais" e das teorias holísticas, sobretudo o marxismo, embutidas na reflexão de Dosse. Como nos atesta a boa micro-história, detalhes aparentemente secundários, de uma hora para outra podem passar a ocupar o centro do palco nas tramas do tempo, além do que, permitem observar as situações que se interpõem perante os sujeitos a partir de perspectivas até então negligenciadas, quase sempre de modo profícuo. O estudo dos pormenores se apresenta, então, como bom instrumento teórico para a análise do passado, mas também de conjunturas recentes. Tanto no que concerne às causas gerais como aos detalhes aparentemente ínfimos, o que se segue tem a ver com esse parágrafo inicial.
Migalhas, no sentido de "coisa pouca", é o que hoje mantém a sustentação de um certo partido no poder... . O Partido dos Trabalhadores surgiu no cenário da política brasileira portando ideias e discursos que, se em 1979 já representavam um grande equívoco, mesmo assim caíram bem (como grande embuste) no contexto de um país em vias de egresso da ditadura militar e já sem que a maior parte da população nutrisse apreço pela alta cultura, resultado da ocupação de espaço esquerdista em todos os níveis educacionais. As diretrizes políticas e a estrutura discursiva, apesar de se assentarem em falsas premissas, encontraram força no apelo à "justiça social", à ética inabalável e à administração "progressista". O que se chama de "canto de sereia" na sociologia política é um desses pormenores reveladores que conferiram elã ao PT e a tantos outros partidos de esquerda, hoje satélites daquele. Esse arcabouço foi mantido praticamente intacto até não muito tempo, embora com mudanças sutis usadas estrategicamente em momentos eleitorais, e o escamoteio deliberado dos detalhes reveladores de sua real natureza deram quatro mandatos presidenciais seguidos aos petistas. No plano cultural em geral, na grande imprensa e no sistema educacional, bem antes mesmo de tomar o poder federal, contando com a desatenção de uma população manipulada e incapaz de se libertar do politicamente correto e do zeitgeist anticapitalista, a esquerda deitou raízes no Brasil.
Todo esse sistema de poder erguido cuidadosamente em âmbito cultural, político  e social obedeceu a uma lógica totalizante e coerente do ponto de vista de sua estrutura interna. Funcionou bem, como todos sabem, mas agora se encontra esgotado. As promessas idílicas, típicas de qualquer discurso esquerdista, nada mais do que jogos de palavras cujo objetivo final é a própria tomada de poder em detrimento das liberdades individuais, se revelaram tremenda falácia, como não poderia deixar de ser. Somem-se à implosão do paradigma central os desastres adjacentes de um governo centralizador e comunista: distribuição de favores no interior da máquina pública e seu aparelhamento, corrupção sistêmica elevada a modus operandi, gastos crescentes e incessantes, baixa produtividade, economia em declínio franco e constante, inflação, recessão, falência completa da educação e dos serviços de saúde, e o quadro se completa. Mas por que, mesmo dando impressão clara de que tudo é apenas questão de tempo, o PT ainda se permanece no poder? Quem pode pensar em democracia diante de tal panorama? Voltemos às migalhas...
A cultura, que traz consigo um evidente componente moral, é algo cuja mudança se insere na longa duração e a alteração completa de nossa organização política só viria depois daquela. Pensar que o país dependa de temporalidade lenta para que mudanças aconteçam é desanimador, mas é possível que estejamos, ao menos, no fim de um ciclo conjuntural de média duração, porém, isso dependerá, em boa medida, das escolhas que fizermos... A esquerda que hoje está no poder se sustenta de modo tênue, presa em excrescências politicamente corretas, bandeiras de minorias sedentas dos favores estatais. Um partido cujas diretrizes se dissolveram por completo, até por serem falsas, sobrevive distribuindo migalhas para quem levanta ideias fragmentárias, também elas, no fim das contas, migalhas... Universitários e acadêmicos ainda crentes no ranço marxista, "movimentos sociais" e sindicatos bancados pelo dinheiro do contribuinte, gayzistas, feministas e afins. Esses grupelhos, evidentemente, não carregam projeto algum de sociedade, até porque sua ordenação é fragmentária, segregacionista e sua pretensão futura é o fim da própria sociedade, como procurei discutir, de certa forma, no artigo anterior. A análise da história nos revela que esses movimentos, invariavelmente, tiveram o totalitarismo como resultado, fazendo com que aquilo mesmo que sempre defenderam se tornasse algo impraticável em regimes que não podem existir sem o controle máximo dos indivíduos e a intensa centralização política nas mãos do Estado. O terror, a vigilância, as arbitrariedades, as perseguições e execuções são características inerentes de todos os sistemas criadores de nichos que subdividem o corpo social, colocando uns contra os outros de modo extremamente severo e aflorando ódios que culminam em guerra civil e na posterior consolidação, por tempo indeterminado, de um líder que se autoproclama o justiceiro de todos os males sobre a Terra. Isso lhe soa familiar?
Observar esse microcosmo que faz a esquerda se sustentar tem viés duplo: positivamente, nos leva a crer que, sem uma política coesa em termos de sociedade, qualquer organização partidária está fadada ao fracasso, algo que já tem sido notado claramente, já que o apoio restrito de grupos atomizados foi só o que restou ao PT, com a imensa maioria do corpo social estando na oposição; por outro lado, o problema pode ser muito maior em função da fraqueza da sociedade diante de um Estado semi-totalitário e da situação das instituições, corrompidas, aparelhadas e envoltas nos joguetes de poder, reflexo do próprio sistema instaurado pelo petismo. Essa ainda é sua característica mais forte.
Ao cidadão de bem, restam alguns meios de ação e, se levarmos em conta a máxima de Edmund Burke, é com extrema urgência que os bons necessitam agir para que o mal não triunfe. Fica mais difícil conforme o tempo passa, pois os inimigos da sociedade tornam seu poder mais independente e autocentrado à medida em que vão exterminando as forças livres. É hora de pressão intensa contra o (des)governo petista! Vamos ficar só assistindo passivamente?

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O gayzismo é totalitário (para quem ainda não sabe)


Diante da histeria cada vez mais exacerbada em certos setores da sociedade brasileira, notadamente entre aqueles que difundem e/ou seguem ideias de esquerda, não é de se estranhar que as pessoas alheias ao mais rasteiro senso comum sejam sumariamente acusadas com os adjetivos da moda proferidos por figuras como Jean Wyllys, sujeito que, caso vivesse em um país sério e cuja política, corroída pela ocupação de espaço gramsciana, fosse algo além dos joguetes de poder e das negociatas fisiológicas, - sintoma do estatismo que ele próprio defende - não seria reconhecido nem mesmo por participar de um péssimo programa do tipo reality show.
Sim, como liberal da linhagem humanista à la Irving Babbitt, sou de direita, pois acredito que a responsabilidade individual e os princípios de moralidade universais, atentos à essência humana ao invés da demasiada importância dada a determinismos culturais, geográficos, fenotípicos ou de gênero, são os elementos a partir dos quais se pode pensar na totalidade de um indivíduo. Portanto, ser liberal vai na contramão de ideias racistas e homofóbicas.
O que pode haver de mais importante em um ser humano, seus valores, sua ética, sua retidão, suas ações baseadas em princípios que devem ser válidos em qualquer tempo-espaço ou meros recortes parciais, muitos dos quais, incluída aí a própria homossexualidade, não dependem do poder de escolha individual e nem deveriam interferir nas condutas que norteiam sua atuação como sujeitos em âmbito individual e coletivo? A resposta é óbvia, exceto para aqueles que necessitam construir sistemas de interesse pautados pelo ódio fratricida e que exploram supostas fraquezas, erigidas como tal a partir do pensamento politicamente correto, uma máscara por trás da qual se revela a sanha de poder e o egoísmo psicótico. Trata-se de uma estratégia totalitária utilizada na tentativa de compensar recalques e promover vingança difusa, fruto de sofrimentos causados por algum agente que partia dos mesmos ditames sectaristas que agora, igualmente, alimentam os pretensos instauradores da "justiça social" e do "paraíso terrestre", sem que este tenha lugar para os que não compartilham da mesma visão, evidentemente...
A orientação sexual de uma pessoa, seja fruto de escolha deliberada ou um dado da natureza em relação ao qual haja ausência de poder de decisão - pouco importa - não é algo que define a essência dessa mesma pessoa. Aquilo que diz respeito sobretudo à alçada íntima, que direciona, mais do que qualquer outra coisa, o que o indivíduo faz entre quatro paredes, não indica nada a respeito de sua moralidade. É por isso, inclusive, que existem sujeitos heterossexuais imorais, bem como homossexuais que agem com base na diferenciação entre o certo e o errado. Preferências sexuais não podem ser utilizadas como parâmetro de moralidade e a legislação não deve servir a causas específicas deste ou daquele grupo - leis servem para normatizar e promover ajustes entre as pessoas em geral, única e exclusivamente com base em suas condutas como cidadãos.
É muito justo, nesse sentido, que casais homossexuais tenham os mesmos direitos civis que os heteros. O que ninguém deveria tolerar, seja qual for a orientação sexual, é a conotação de "movimento social" assumida pela causa LGBT, como se houvesse uma guerra entre homos e heteros. Quando uma questão social é tratada a partir de meios que sugerem enfrentamento entre grupos, com um deles sendo adjetivado sordidamente, desqualificado como retrógrado e como obstáculo a uma pretensa marcha histórica que requer eliminá-lo sob pena de não se atingir o progresso de toda a humanidade, então o que se deseja é o caos revolucionário alimentado pelo ódio e pela vingança, o poder político que se sustenta a partir do medo e da criação de bodes expiatórios. É exatamente esse tipo de discurso que sai da boca de Wyllys, ajudado por inúmeros inocentes úteis, ingenuamente crentes de que o que está em questão se resume aos seus direitos (sem que os mesmos reconheçam deveres), enredados pela trama do jogo de poder revolucionário que, uma vez vitorioso, não lhes daria a menor chance de escolha e de atuação individual, pois servem tão somente como massa de manobra totalitária, como grupo amorfo a serviço de arranjos políticos cuja estrutura se organiza em franco antagonismo às liberdades individuais.
Os próceres do gayzismo, ávidos por aglutinar pessoas humanas em torno de uma causa, retirando-lhes a capacidade de agir com base em princípios de universalidade, independentes da orientação sexual, mas condizentes com a defesa da liberdade individual, são eles, na verdade, os fascistas enrustidos, aproveitadores que precisam eliminar a diversidade em nome de um movimento criado com finalidades políticas totalitárias. Nada contra os gays e simpatizantes, tudo contra os gayzistas!

sábado, 3 de outubro de 2015

Patrimônio imaterial e populismo no Brasil (1)


Dada a riqueza e diversidade culturais que fazem parte do Brasil, facilmente, pode-se afirmar que o patrimônio cultural do país está espalhado por todo seu território. Os monumentos históricos, os sítios arqueológicos, os museus e bibliotecas se fazem presentes nos quatro cantos do Brasil, seja em áreas mais próximas ao litoral, seja em locais situados na imensidão do interior.
No entanto, é preciso considerar que o conceito de patrimônio sofreu uma ampliação a partir de meados do século XX, passando a abarcar não apenas os bens materiais, mas também as manifestações imateriais (teatro, música, dança, ritos, culinária...), e os conhecimentos que dão suporte a tais práticas, ou seja, o chamado patrimônio imaterial(2). Dessa perspectiva, o patrimônio cultural não se restringe somente àquilo que foi oficialmente definido como sendo dotado de valor histórico ou artístico (uma igreja do Período Colonial ou uma moeda cunhada em comemoração à Proclamação da República, por exemplo), pois vai além, abrangendo ainda as apropriações coletivas e individuais, testemunhos da memória e da história de um povo e das inúmeras comunidades que o compõem.
De acordo com tais apontamentos, e já procurando responder ao primeiro questionamento proposto, é correto pensar que o patrimônio cultural, não só o do Brasil, mas o de qualquer país ou sociedade, está em todos os lugares, mas mais do que isso, no cotidiano das gentes, no seu saber-fazer, em todas as manifestações artísticas e ritualísticas que trazem embutidos seus sentimentos, seus costumes, sua memória, sua identidade, sua pertença, enfim, sua história. Um patrimônio, cuja marca principal, por assim dizer, é a diversidade cultural.
Ninguém poderá negar a extrema importância da ampliação do conceito de patrimônio e do reconhecimento da imaterialidade como um dado sem o qual o assunto permaneceria incompleto e incapaz de atingir o cerne de inúmeras manifestações culturais que tecem a rica trama do cotidiano das sociedades. Não sei exatamente como outros países têm tratado a questão, embora seja perceptível que no mundo desenvolvido, o cuidado em relação aos monumentos históricos, bem como a valorização, em todos os sentidos, no que se refere a museus e outras instituições culturais, são intensos. Reconhecer a existência do patrimônio imaterial e estabelecer mecanismos que possam contribuir com sua preservação não implica, evidentemente, em esquecer o patrimônio material. Em função de várias experiências que já tive no Brasil e depois de fazer a leitura de Educação patrimonial: histórico, conceitos e processos (3), fica a impressão de que tudo que não se encaixa dentro de uma certa visão populista é logo relegado ao status de "atraso conservador".
Quem percorre nosso país de norte a sul e de leste a oeste, infelizmente, se depara com inúmeros monumentos e construções históricas abandonadas e sujeitas ao vandalismo. Falta pessoal para fiscalizar, falta estrutura que possa fazer do turismo uma atividade rentável e sustentável, falta educação para tornar o patrimônio reconhecido e valorizado, não apenas, em termos imediatos, porque ele mantém relações com esta ou aquela comunidade, mas porque, em âmbito mais geral, é obra do espírito humano, porque carrega valores que de alguma forma condensam aspirações estéticas, históricas, religiosas... As pinturas rupestres da serra catarinense, que pouquíssimos conhecem e cuja divulgação e preservação dependem de um punhado de abnegados, ou o complexo de estátuas e esculturas barrocas de Bom Jesus de Matosinhos, muitas delas vandalizadas pelo turismo massificado e pela ausência de cuidados, são apenas dois exemplos que atestam o descaso com o patrimônio brasileiro.
Educação patrimonial: histórico, conceitos e processos (4), em muitos momentos, soa como mera e descarada propaganda governamental. Em nome de um apego populista ao comunitário, ao local, ao regional, não sobra praticamente nada a respeito do patrimônio material. Ainda que as políticas governamentais alcançassem sucesso quanto à preservação do patrimônio imaterial (o que seria extremamente louvável, mas que na prática só tem revelado a ineficiência burocrática do Estado brasileiro – quantas comissões, quantos comitês, quantos órgãos, quantos seminários e oficinas... ?), nem assim se justificaria a negligência no que concerne à necessidade de preservação dos bens materiais, como se esse aspecto já estivesse plenamente resolvido e como se nossos monumentos recebessem a mesma atenção e cuidado que se verifica em Pompeia ou em Paris.
Para finalizar, dois apontamentos: em primeiro lugar, é preciso romper com o culturalismo pós-moderno, que confunde funcionalidade com valor, e segundo o qual, tudo o que existe em termos de cultura, apenas por existir, merece beneplácito (nesse sentido, touradas são abjetas e execráveis por sua crueldade e sofrimento imputado a seres vivos, bem como a música funk atual não tem valor cultural nenhum, já que não traz nada positivo no que se refere à estética ou aos valores que cultua); e por falar em funk, não deixa de ser um paradoxo que tanto apego populista demonstrado por nossas autoridades, venha tendo resultado inverso ao alardeado, ou seja, a cultura popular está cada vez mais tributária de importações estrangeiras, como o próprio funk e o rap, ao passo que alguns regionalismos genuinamente brasileiros caíram no completo esquecimento.
Só posso pensar que estejamos bem distantes da correta preservação de nosso patrimônio...


NOTAS

1. Este texto foi apresentado ao programa de especialização em Museografia e Patrimônio Cultural do Claretiano-Centro Univesitário para a disciplina "Educação Patrimonial e Educação em Museus", sob a tutoria da Profª. Elza Silva Cardoso Soffiatti. A partir das leituras indicadas, deveriam ser respondidas as seguintes questões: "Onde está localizado o patrimônio cultural do Brasil"?; "Como ele está sendo preservado"? Na versão aqui presente, fiz levíssimas modificações.

2. Verbete “Patrimônio” in DESVALLÉES; Andre; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de museologiaTradução e comentários de Bruno Brulon e Marília Xavier Cury. São Paulo: Comitê Brasileiro do ICOM / Pinacoteca do Estado de SP / Secretaria de Estado da Cultura, 2013, pp. 73 a 77.

3. FLORÊNCIO, S. R. et al. Educação patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília, DF: Iphan/DAF/Cogedip/ Ceduc, 2014.

4. Idem, ibid.