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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Lixo acadêmico - uma experiência (e um pouco de análise)


Em minha graduação, eu frequentava regularmente a faculdade no período da manhã para cursar o Bacharelado, mas já a partir do terceiro semestre, dei início à Licenciatura, cujas aulas ocorriam à tarde ou à noite, dependendo da disciplina.
No quarto semestre eu me matriculei no curso que levava o nome de Estrutura e Funcionamento da Educação Básica (uma inutilidade do começo ao fim, apenas para encher linguiça e grade curricular), o que demandava ir à faculdade uma vez por semana no turno da noite, se não me falha a memória, às terças-feiras. Com o passar do tempo, o nome da professora me fugiu completamente e apenas lembro que se tratava de uma gordona meio insondável, distante, cujos modos passavam a impressão de que, exceto pelos elementos puramente mecânicos e ideológicos, ela não sabia exatamente qual era seu papel ali. Claro, porém, que ela não fazia cerimônia em deixar transparecer sua concepção política de esquerda. Havia um aluno chamado Legnaro que era o queridinho dela, um rapaz bem articulado em relação ao palavrório revoltado, típico de palanque, que é comum a todo marxista. Legnaro se mostrava extremamente ligado na aula, participativo, complementava quase tudo que a professora colocava como argumento e ela, claro, aprovava com um largo sorriso e comentários elogiosos. Em muitos momentos, se alguém chegasse à sala de aula, caso não fosse pelo fato de que Legnaro sentava-se na carteira e ela na cadeira que acompanhava a mesa do professor, iria pensar que quem ministrava a aula era ele ao invés dela.
Para se ter uma ideia da monotonia daquele curso, os diálogos entre a professora e Legnaro eram o que de mais interessante acontecia, não, evidentemente, porque oferecessem reflexões a serem aproveitadas, mas devido ao fato de que observá-los um concordando com o outro e, por parte dele, a tentativa bem sucedida de obter a aprovação dela, compunham cenas que beiravam o cômico, apesar de serem trágicas.
Tem-se aí um exemplo simples e corriqueiro do pensamento único de manada que domina completamente um curso de Humanidades nas academias brasileiras. O sujeito treina o linguajar mais típico de um revolucionário comuna e rapidamente se torna capaz de despejar a manjada e rasteira meia dúzia de palavras de ordem contra a burguesia, o capitalismo e a propriedade privada. O marxismo é um instrumento eficaz de doutrinação porque seu corpo teórico, embora relativamente extenso no que tange a aspectos econômicos, cabe em poucas frases de efeito naquilo que tem de mais sedutor frente a jovens tolos e revoltados, que é seu elemento político, de sentido mais imediatista e que não requer nenhum apuro filosófico, nenhuma concepção elaborada sobre a história ou sobre a complexidade das relações humanas.
Assistir às conversas da professora com Legnaro era sem sombra de dúvida um espetáculo de tragicomédia, pois a coisa funcionava como se ambos estivessem com todo o discurso completamente pronto e acabado, apenas aproveitando aqueles momentos para exteriorizar o "conhecimento" na direção da plateia amestrada, tal qual o mesmo fosse fruto de uma força arrebatadora, indiscutível, elevada ao mais alto grau de magnanimidade. Os demais alunos apenas deveriam absorver aquele bálsamo emanado de duas pessoas iluminadas, muito acima dos simples mortais. Era patético e me causava ânsia de vômito, mais ainda em função de que a maioria dos alunos realmente se mostrava boquiaberta diante do enlatado repertório, como se fosse algo inovador, como se estivessem frequentando um rito de iniciação, prestes a adentrarem ao mundo da sabedoria marxista, redentora da humanidade. Detalhe: discursos como aqueles eu escutava como um moto perpétuo desde o Ensino Fundamental II, chamado de Ginásio à minha época. Enganar trouxas no interior de um ambiente supostamente qualificado em termos de intelectualidade é a coisa mais fácil nesse Brasil, mas mais ridículo do que isso é o fato de que quem se propõe a enganar é tão trouxa como aqueles que engana!
Se no período matutino o ambiente universitário já era contaminado pelo pensamento único de esquerda, durante a noite, a coisa se tornava mais acentuada, mais aterradora, mais potencialmente inebriante para mentes frágeis, vazias, carentes de individualidade, de imaginação, de poder de escolha e de propósitos nobres, propícias portanto a servir de repositório para aquele catecismo profano. A atmosfera pesada e sufocante que fui obrigado a vivenciar por quatro anos e mais especialmente durante o quarto semestre é algo que não sou capaz de descrever com toda a propriedade que a tarefa exige. Resta somente que o leitor procure imaginar um local um tanto quanto mal cuidado, iluminado aquém do que se faz necessário em ambiente que deveria ser de estudos, povoado por muitas figuras caricaturais, como por exemplo, um sujeito usando boina e cavanhaque angulado, fumando cannabis e dissertando em tom professoral, expressão corporal altiva e repleto de gestos -  talvez tentando imitar a postura de Lenin em cima de um palanque - sobre o Estado e a revolução.
Esse é, salvo certas exceções em termos de instituições e cursos, o ambiente acadêmico brasileiro de onde saem os "especialistas" Fake News, os sociólogos e tutti quanti que aos trancos e barrancos se formam na mais rasteira marxologia para depois serem convidados a falar sobre assuntos que não dominam nem no nível dos rudimentos (viram Pedro Abramovay e Alba Zaluar emitindo opiniões a respeito da intervenção na Segurança Pública do RJ?). Esse é o ambiente acadêmico que reproduz a chusma de homens-massa sem um pingo de alta cultura, como adiantou José Ortega Y Gasset há noventa anos, fedelhos que desconhecem todo e qualquer pensador que não esteja alinhado à doutrinação (até mesmos os alinhados eles conhecem mal e porcamente), mas que não têm vergonha de gritar baboseiras para quem quiser ouvir.
O Brasil só mudará com uma profunda renovação da intelectualidade. E isso, se vier a acontecer, demorará centenas de anos.